mar

24

INSTINTO MORAL

É, realmente, muito difícil lidar com nossos preconceitos. Hélio Schwartsman, na Folha.

Ragnarök, a danação de Thor

SÃO PAULO – Por que todos amam odiar Thor Batista? A resposta curta é: porque ele é podre de rico. Mais, desempenha com competência o papel de garoto mimado, que dirige carros estupidamente caros, enquanto vai distraidamente acumulando pontos em sua carteira de habilitação.

Já a explicação longa está enterrada bem no fundo de nossos cérebros pré-históricos, forjados numa época em que cada membro do bando era, ao mesmo tempo, um aliado indispensável e um concorrente impiedoso. Para navegar em meio a essa e outras ambiguidades sociais, acabamos desenvolvendo nosso senso moral.

Jonathan Haidt sugere que ele pode ser decomposto em seis sentimentos básicos: proteção, justiça, lealdade, autoridade, pureza e liberdade, que constituiriam uma espécie de tabela periódica do instinto moral. O mapa ético de cada indivíduo seria uma combinação de diferentes proporções desses “ingredientes”.

A revolta para com Thor se deve ao fato de que sua situação privilegiada (e que não é atenuada por “boas obras” como fazer filantropia) ofende nosso sentimento de justiça. O problema é que, como temos dificuldade para defini-la, recorremos a aproximações, às vezes esdrúxulas, como identificar o fraco a bom e o forte a ruim. Nietzsche explorou bem o que chamou de “moral do escravo”.

Quantos de nós já não nos pegamos torcendo pela débil seleção de Camarões contra a poderosa Alemanha? Basicamente, temos uma vontade irrefreável de “equilibrar o jogo”.

Não é preciso quebrar a cabeça para vislumbrar a utilidade do mecanismo. No passado darwiniano, quando ajudávamos o fraco a enfrentar um forte, livrávamo-nos de um rival ou, ao menos, contribuíamos para enfraquecê-lo. Foi nesse espírito que os gregos criaram o instituto do ostracismo, que agora consideramos cruel.

A questão é que, no mundo não pré-histórico de hoje, não deveríamos julgar pessoas com base em sentimentos, mas apenas em evidências.

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mar

21

LA FELICITÀ È UN GELATO

O texto do Gustavo Cerbasi começa parecendo auto-ajuda, mas avança na discussão. Questões importantes, que inclusive nos deparamos no cotidiano do mundo do consumo e comunicação, são colocadas em evidência.

Como comprar felicidade

Felicidade é um estado de espírito, e não uma reação momentânea a um acontecimento

O consumo contribui para sua felicidade, pois é uma forma de obter satisfação pessoal. Pense na felicidade de tomar um café para aliviar a sensação de sono, de ler um livro para se informar ou se distrair, ou de ir à manicure para receber cuidados. E que tal a felicidade de tirar férias? De trocar de carro? De comprar uma TV nova?

Obviamente, a felicidade obtida por meio do consumo não é tão intensa e duradoura quanto a que sentimos ao conquistar grandes objetivos, como passar na faculdade, casar, ter filhos ou quitar a casa própria. Mas, sendo esses grandes objetivos pouco numerosos ao longo de nosso viver, não é exagero apontar o consumo como nossa fonte mais frequente de felicidade.

Porém, antes de sair gastando alucinadamente em busca de prazer, é importante perceber que não é exatamente o ato do consumo que nos faz felizes. Felicidade é um estado de espírito e não uma reação momentânea a um acontecimento. O que realmente contribui para nosso bem-estar é a maneira com que aproveitamos os acontecimentos em nossa vida.

Em outras palavras, não é o nascimento do filho que nos faz felizes, mas sim a realização de poder criar um descendente. Não é a compra do carro, mas sim a possibilidade de dirigir com mais eficiência, conforto, design e admiração dos amigos. Não é a aquisição do cosmético, mas a sensação de rejuvenescimento. Tão importante quanto adquirir bens ou serviços é poder aproveitá-los da melhor maneira possível. Isso faz com que sejamos recompensados por nossas escolhas.

Entretanto, a falta de planejamento leva muitas pessoas ao consumo sem que tenham real condição de aproveitar aquilo que compram. Quanto mais impulsivo for o consumidor, mais ele terá roupas não usadas no armário, eletrodomésticos pouco aproveitados, férias insatisfatórias, livros mofando sem serem lidos e outros bens mal-escolhidos.

Sem aproveitar suas compras, sua única lembrança de felicidade estará associada ao ato da compra em si e por isso ele tenderá a comprar mais. A impulsividade tende a se transformar em compulsão.

É bastante comum também a situação em que a pessoa, por mais que tenha um padrão de consumo admirável, não se sinta feliz com suas escolhas. Normalmente, isso acontece quando o consumo gera mais frustrações que recompensas.

Um exemplo típico de consumo frustrante é quando alguém não planeja férias com antecedência, mas, ao se ver diante da oportunidade ou do convite para aproveitar férias por vencer, decide comprar o primeiro pacote de viagens que vê pela frente. Independentemente de ser um destino interessante ou não, a pessoa terá de parcelar sua compra, já que não se planejou para isso.

As férias não tiveram espaço no orçamento dos meses anteriores à viagem. Mas, para honrar as prestações assumidas para os meses seguintes, a pessoa terá de eliminar hábitos de sua rotina. Por mais que a viagem tenha sido interessante, cada prestação a pagar será um motivo de arrependimento.

Além disso, não haverá verba para sair com amigos, contar as histórias e as novidades, mostrar fotos. Sem esse convívio, não existirá o desfrute duradouro daquele consumo, que faria a pessoa mais feliz. Mais provável é que o arrependimento de cada prestação a pagar condicione a pessoa, inconscientemente, a não ter pressa para tirar férias novamente.

Seria bem diferente se, meses antes das férias, a pessoa estivesse planejando e poupando. O objetivo definido seria argumento para deixar de lado excessos de consumo.

Poupar não seria um sacrifício, mas sim uma gincana motivada pela expectativa. A realização do sonho seria o fim do processo, não o começo. Ao voltar das férias, com as contas quitadas, além de descansada a pessoa passaria a contar com recursos para socializar e curtir o momento -afinal, não estaria mais poupando. Resultado: felicidade continuada.

Se você quer ser mais feliz, planeje e poupe antes de consumir. Ambicione, conquiste e aprenda a degustar por um bom tempo suas conquistas, no lugar de cultivar o pobre vício em consumo.

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mar

21

MICRÓBIOS ME MORDAM!

Um pouco filme de ficção científica a coluna do Calligaris, de 15/3/2012, não? O importante é perceber como tem cientista pra tudo no mundo.

Micróbios dominadores

Os micróbios que vivem no nosso corpo podem influenciar nosso comportamento

Em 2010, nos “Annals of Epidemiology”, li uma pesquisa que achei inquietante: ela confirmava uma dúvida que me assombrara por um bom tempo, a partir dos meus oito anos.

Com essa idade, aprendi que, mesmo sem estarmos doentes, somos habitados por bactérias, vírus, parasitas e fungos, que prosperam dentro de nosso organismo.

E me interroguei: esses micróbios, além de fazerem (eventualmente) com que a gente adoeça, não estariam dentro de nós como pilotos numa imensa espaçonave? Apesar de acreditarmos em nossa autonomia, quem sabe eles não estejam, de fato, no volante de nossa vida?

Justamente, os autores da pesquisa, Chris Reiber, J. Moore e outros, queriam saber se um vírus pode mandar em nós -não só alterar nosso humor, mas realmente influenciar nosso comportamento.

Eles descobriram que os infectados pelo vírus da gripe, durante o período da incubação (em que são contagiosos, mas não apresentam sintomas), tornam-se especialmente sociáveis. Em outras palavras, os infectados parecem agir no interesse do vírus, que é o de contagiar o máximo possível.

Claro, não é que os micróbios se sirvam da gente para levar a cabo um “plano” maquiavélico. Mas se entende, com Darwin, que um vírus que nos torne sociáveis durante a incubação só pode se dar bem na seleção natural, pois ele se espalhará facilmente. Ou seja, os micróbios mais eficientes seriam os que conseguem nos usar em seu interesse próprio, os que nos transformam em seus súcubos.

O que sobraria de nossa “autonomia” se todos os micróbios enquistados no nosso organismo influenciassem (silenciosamente) nossos pensamento e comportamento?

Kathleen McAuliffe, na “The Atlantic” de março, conta a história de Jaroslav Flegr, um cientista que, há 20 anos, pretende que um parasita, o Toxoplasma gondii, manipule e transforme os que ele infecta.

O hospedeiro definitivo do Toxoplasma gondii é o gato, em cujo corpo o parasita se reproduz sexualmente. Seu hospedeiro intermediário típico é o rato, que se infecta ao ingerir o Toxoplasma (direta ou indiretamente) nas fezes do gato e, logo, ao ser comido por um felino, leva o parasita de volta para seu hospedeiro definitivo.

Agora, o Toxoplasma pode infectar qualquer mamífero, enquistando-se no tecido muscular e no cérebro. Nos humanos, ele é presente em 55% dos franceses (comedores de carne crua -claro, de boi infectado) e em 10 a 20% dos norte-americanos. Em tese, pouco importa, pois o Toxoplasma só seria perigoso na gravidez, quando produz malformações fetais. Mas será que esse é seu único efeito?

Há mais de uma década, descobriu-se que o Toxoplasma altera o comportamento dos ratos infectados, tornando-os atrevidos e fãs do cheiro da urina de gato (de que normalmente eles fugiriam). Ou seja, o Toxoplasma transforma o rato numa presa mais fácil para o gato, no estômago do qual o parasita quer acabar sua viagem.

Outra surpresa. Nos ratos (e só neles), o parasita pode ser transmitido por via sexual; ora, verifica-se que os ratos machos infectados são inexplicavelmente mais desejáveis aos olhos das fêmeas.

Um parasita capaz de influenciar o cérebro do rato, seu hospedeiro intermediário preferido, não teria efeito algum quando se instala no nosso cérebro?

Para começar, o Toxoplasma parece produzir em nós alguns efeitos parecidos com os que ele produz nos ratos: por exemplo, muitos humanos infectados passam a achar agradável o cheiro da urina de gato. Nada dramático: a gente é raramente comido por gatos (mas resta a pergunta: se você adora gatos, é porque gosta mesmo ou porque carrega o Toxoplasma gondii no seu cérebro?).

Há mais: a presença do Toxoplasma gondii no cérebro alavanca a produção de dopamina, um neurotransmissor cujo excesso é um dos fatores no conjunto de causas possíveis da esquizofrenia.

Enfim, o fato é que estamos começando a descobrir que os micróbios aparentemente inócuos que vivem no nosso corpo podem influenciar nosso comportamento.

Não acredito que sejamos os títeres de germes, parasitas, fungos e vírus, mas, certamente, o ambiente que nos constitui e determina não é só o das interações com nossos semelhantes. É também o de interações misteriosas com seres que sequer enxergamos. Inquietante, hein?

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fev

10

LEI DE GRESHAM

Reflexão importante e interessante.
Ver, mas pensar.

Saiu na Folha, em outubro de 2011.

A elusiva grande ideia

NEAL GABLER
OPINIÃO

As ideias não são mais o que eram antes. Antigamente, elas incendiavam debates, estimulavam outros pensamentos, incitavam revoluções e alteravam a maneira como vemos e pensamos o mundo.

Elas podiam penetrar na cultura geral e transformar pensadores em celebridades -caso notável de Albert Einstein, mas também de Reinhold Niebuhr, Daniel Bell, Betty Friedan, Carl Sagan e Stephen Jay Gould, para citar alguns. As próprias ideias podiam ficar famosas -”o fim das ideologias”, “o meio é a mensagem” “a mística feminina”, “a teoria do Big Bang”, “o fim da história”. Uma grande ideia podia ser capa da “Time” -”Deus morreu?”-, e intelectuais americanos como Norman Mailer, William Buckley Jr. e Gore Vidal eram eventualmente convidados para “talk shows” de TV. Como isso faz tempo.

Se nossas ideias agora parecem menores, não é por sermos mais burros do que nossos antepassados, mas simplesmente porque não ligamos mais tanto para elas. Agora, ideias que não podem ser instantaneamente monetizadas têm tão pouco valor intrínseco que cada vez menos pessoas estão gerando-as, e cada vez menos veículos as disseminam.

Não é segredo, especialmente nos EUA, que vivemos numa era pós-iluminista em que a racionalidade, a ciência, a argumentação lógica e o debate perderam a batalha em muitos setores para a superstição, a fé, a opinião e a ortodoxia. Retrocedemos de modos avançados do pensamento para velhas crenças.

O guru ofusca o intelectual público, substituindo a reflexão pelo escândalo. O ensaio entrou em declínio nas revistas de interesse geral. E há a ascensão de uma cultura cada vez mais visual, especialmente entre os jovens -o que dificulta a expressão das ideias.

Mas a verdadeira causa de um mundo pós-ideias pode ser a própria informação. Numa época em que sabemos mais do que nunca, pensamos menos a respeito disso.

Graças à internet, parece que temos acesso imediato a qualquer coisa que se possa querer saber. No passado, por outro lado, coletávamos informações não apenas para saber as coisas, mas também para convertê-las em algo maior e eventualmente mais útil do que meros fatos -em ideias que davam sentido à informação. Buscávamos não só apreender o mundo como também compreendê-lo, o que é a função primária das ideias. Grandes ideias explicam o mundo e nos explicam.

Mas se a informação já foi a matéria-prima das ideias, ela se tornou, na última década, concorrente destas. Somos inundados por tantas informações que nem se quiséssemos -e a maioria não quer- teríamos tempo de processá-las.

A coleção em si é exaustiva: o que cada um dos nosso amigos está fazendo num momento específico e no próximo; com quem a Jennifer Aniston está saindo; qual vídeo se tornou viral no YouTube na última hora.

Com efeito, estamos vivendo sob uma lei de Gresham [um conceito econômico] aplicada à informação, em que a informação trivial expulsa a informação significativa, mas também sob uma lei de Gresham aplicada às ideias, em que a informação, trivial ou não, expulsa as ideias.

Preferimos saber a pensar, pois saber tem mais valor imediato. O saber nos mantém no circuito, conectados. Certamente não é por acaso que o mundo pós-ideias tenha brotado junto com o mundo das redes sociais.

Embora haja sites e blogs dedicados às ideias, o Twitter, o Facebook, o MySpace, o Flickr e outros são basicamente Bolsas de informação, criadas para alimentar a fome por informação, embora raramente o tipo de informação que gere ideias. É, em grande parte, algo inútil, exceto na medida em que faz o possuidor da informação se sentir informado. E esses sites estão suplantando o texto impresso, que é onde as ideias tipicamente têm sido gestadas.

São formas de distração ou de antipensamento.

As implicações de uma sociedade que já não pensa grande são enormes. Ideias não são apenas brinquedos intelectuais. Elas têm efeitos práticos.
Um amigo meu se perguntou, por exemplo, onde estão os novos John Rawls e Robert Nozick, filósofos capazes de elevarem a nossa política.

Pode-se certamente argumentar o mesmo a respeito da economia onde John Maynard Keynes continua a ser o centro do debate quase 80 anos depois de propor a sua teoria do estímulo governamental.

Isso não quer dizer que os sucessores de Rawls e Keynes não existam, mas é improvável que eles consigam ganhar força numa cultura que vê tão pouca utilidade nas ideias. Todos os pensadores são vítimas do excesso de informação.

Sem dúvida haverá quem diga que as grandes ideias migraram para o mercado, mas há uma enorme diferença entre as invenções voltadas para o lucro e os pensamentos intelectualmente desafiadores. Alguns empreendedores, como Steve Jobs, da Apple, já tiveram ideias brilhantes, no sentido “inventivo” da palavra.

Essas ideias, porém, podem mudar a maneira como vivemos, mas não a forma como pensamos. Elas são materiais, e não relacionadas ao universo das ideias propriamente ditas. A nossa carência é de pensadores.

Nós nos tornamos narcisistas da informação, tão desinteressados por qualquer coisa alheia a nós ou ao nosso círculo de amizades, ou por qualquer migalha que não possamos dividir com esses amigos, que se um Marx ou Nietzsche de repente aparecesse berrando suas ideias ninguém prestaria a mínima atenção -certamente não a mídia geral, que aprendeu a atender ao nosso narcisismo.

O que o futuro anuncia é um volume cada vez maior de informação -Everests dela. Não haverá nada que não saibamos. Mas não haverá ninguém pensando a respeito. Pense nisso.

Neal Gabler é o autor de “Walt Disney: O Triunfo da Imaginação Americana”

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out

03

MESMICE

Em 12 de setembro de 2011, Ricardo Semler, autor do best-seller Você está louco!, e articulista da Folha escreveu sobre um assunto banal, mas que não deixa de ser relevante. Muitas vezes, nos vemos diante dessa armadilha. A mesmice deixa o mundo cansativo. Boa leitura.

Preto e prata, preto e prata
Como se camaleões fôssemos, evitamos o realce; estamos protegidos se escolhemos a mesmice

Preste atenção e verá que quase todo carro é preto ou prata. Inclui cinza, digamos. Ando intrigado, nas estradas, pela hegemonia dessa paleta de cores, que soma 86% das escolhas.

Será que o brasileiro é um tanto triste, por isso fica entre nuances cinzentas? Seria diferente em outros países? E essas escolhas teriam relação com a uniformização iniciada na escola?

A DuPont estuda essa questão há 55 anos. Nos EUA há agora a tendência pelo branco. Na Itália e França vence uma cor que aqui não faz qualquer sucesso: o bege. Apenas na China é que o laranja sobressai. Na Escandinávia impera o prata, como em muitas regiões do mundo. Tem a razão leiga, que diz que carros cinzentos e pretos são mais fáceis de revender, e portanto vendem mais. Na linha do vende mais porque é fresquinho, e é fresquinho porque vende mais. Custo de seguro e chance de ser roubado não são muito relevantes.

Se olharmos para executivos num restaurante veremos cores básicas nos ternos e tailleurs. Se subirmos o olhar para a arquitetura de edifícios, veremos o triste e conservador neoclássico, e o bege nas paredes cansadas. Se procurarmos nas escolas algum alívio arquitetônico, seremos oprimidos pela mesmice.

Nas escolas infantis seremos derrotados pelas paredes internas coloridas, o exterior branco, um tanto de verde no paisagismo e um ar pseudofeliz de todos os adultos. As crianças têm e emprestam o animus que acende essa mesmice mesmo quando elas são uniformizadas com a exaustiva roupinha que faz delas um clichê ambulante.

As cores dos carros refletem, sim, um conservadorismo tribal. Como uniformes infantis. Somos criaturas de hábito, e esses hábitos miram a segurança. O alvo é o pertencer. Como se camaleões fôssemos, queremos evitar o realce. Estaremos mais protegidos dos inimigos, do roubo, do acidente, se escolhermos a mesmice. Camuflados pela perda de identidade, podemos relaxar.

Mas isso não é rota para a escola. É hora de começarmos a inovar. Não é outra a razão para a sala de aula, mesmo nestes tempos digitais, ter a mesma cara de 1860. Há muito tempo deveríamos ter abolido as carteiras, a lousa (e seus fac-símiles), e mesmo o edifício da escola como centro da educação.

Está na hora de pensarmos em diminuir a uniformidade que começa no infantil e que forma esses adultos que têm medo de escolher um carro ou roupa mais coloridos.

Centrar a educação em um aluno por vez não passa de clichê. Pensemos no que a escola pode arriscar, para que termine esta linha de montagem igualzinha, que produz estes adultos iguaizinhos para este mercado de trabalho igualzinho.

Mesmo tendo um carro prata, e o da minha esposa sendo preto, conclamo: haja uniformidade, minha gente, haja preto e prata.

RICARDO SEMLER, 52, é empresário. Foi scholar da Harvard Law School e professor de MBA no MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts). Foi escolhido pelo Fórum Econômico de Davos como um dos Líderes Globais do Amanhã. Escreveu dois livros (“Virando a Própria Mesa” e “Você Está Louco”) que venderam juntos 2 milhões de cópias em 34 línguas.

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set

15

START-UP

Texto bom de ler do Julio Vasconcellos (Peixe Urbano), desta quinta, na Folha.

Descrição de cargo: CEO de ‘start-up’

Uma função essencial da liderança é contratar uma equipe que seja melhor do que a própria liderança

UM BELO dia ao acordar me deparei com uma nova realidade em minha vida: estava à frente de uma empresa com centenas de funcionários e que crescia em ritmo de deixar qualquer um atordoado. Tudo isso com mínima experiência prévia de gestão da minha parte.

Com um pouco mais de um ano de empresa, tive minha primeira crise existencial: Qual era a minha função como CEO? Como deveria estar investindo meu tempo? Será que havia algum cumprimento ou saudação secreta que eu ignorava?

Parti para buscar as respostas com algumas pessoas que já haviam passado (e sobrevivido!) por experiência parecida. Conversei com diversos líderes de empresas similares à nossa e de outras bastante diferentes. Eis as lições que aprendi ao tentar definir as funções do CEO em uma “start-up”.

O primeiro ensinamento que ouvi por repetidas vezes é o de que não há uma definição fechada ou absoluta. Embora no começo tenha resistido, por achar que tais afirmativas não contribuíam para minha busca, logo percebi que eram cruciais para definir o meu cargo.

Cada pessoa tem seu estilo próprio e cada empresa tem suas necessidades específicas -cabe a cada um definir como os dois devem se encaixar da melhor forma. Enquanto o melhor para a Apple foi ter um CEO como Steve Jobs, visionário em design, para a Ambev foram essenciais a ênfase em excelência operacional e a gestão preconizadas por Lemann, Telles e Sicupira.

Partindo do princípio de que a definição do meu cargo seria única para mim, defini três elementos centrais, todos bastante interligados, na minha descrição: definir estratégia e visão, liderar a comunicação e a cultura e escalar a organização.

A definição da estratégia e a visão da empresa são o ponto de partida e o mapa que ajudam a organização a traçar um caminho de como atingir o sucesso. Embora as melhores estratégias sejam as mais simples e lógicas, o processo para chegar a elas pode ser complexo.

No nosso caso, foi fruto de dezenas de discussões, ao longo de mais de um ano, entre a liderança da empresa e os membros do conselho. Também acredito que, embora a visão para o futuro deva ser estável, a estratégia de como realizá-la deve estar em constante evolução, adaptando-se a realidades do mercado assim como aos aprendizados que vão sendo incorporados.

A cultura da empresa é seu DNA e é elemento essencial na sua habilidade de executar uma estratégia vencedora. Cabe à liderança personificar a cultura que se deseja na empresa -querendo ou não, suas atitudes e ações definirão a cultura da organização.

Além de liderar pelo exemplo, cabe ao CEO ser o comunicador central da empresa, não só para reforçar a cultura da organização e seus valores centrais, mas também para difundir a estratégia e a visão para todos. Uma comunicação constante e clara é essencial para gerar esse alinhamento e o indispensável foco no que cada um deve fazer para realizar a visão da empresa.

Um elemento fundamental para uma “start-up” é a habilidade de escalar a organização à medida que a empresa e o mercado crescem, muitas vezes em ritmos aceleradíssimos. Escalabilidade é o que mantém a empresa funcionando de forma cada vez mais eficaz, seja com 10 ou com 10 mil funcionários.

Utilizo o acrônimo POP para descrever os três pilares de como manter a escalabilidade -pessoas, organização e processos. Uma função essencial da liderança é buscar contratar uma equipe que seja melhor do que a própria liderança.

Sempre buscando pessoas não para a organização que existe hoje, mas para aquela que existirá quando a visão for plenamente realizada. Além das pessoas certas, é essencial montar equipes e organizar a casa para que a empresa consiga gerar os melhores resultados.

Para pessoas e organizações fluírem bem também são necessários processos que traduzam as melhores práticas e garantam eficiência. Finalmente, é indispensável manter um espaço aberto para que a troca de ideias e de conhecimento ocorra de maneira saudável, preservando, assim, a flexibilidade e a rapidez que são elementos essenciais para a sobrevivência de uma “start-up”.

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set

03

LONDRES É AQUI

Interessante a reflexão do Calligaris, quinta-feira – 01/09/2011 -, na Folha.

Saques, arrastões e “ressentiment”

A turba que afugentou Luís 16 e Maria Antonieta de Versailles, em 1789, pedia pão porque estava com fome.

A turba de Londres em 2011 pedia bugiganga eletrônica e roupa de marca -artigos que, aos olhos de muitos, parecem não ser de primeira necessidade. Ou seja, aparentemente, a violência da turba de 1789 talvez fosse justificada, mas a de 2011 não é.

No domingo passado, na Folha, Eliane Trindade escreveu sobre meninas de rua que praticam arrastões em São Paulo. Elas procuram produtos para alisar o cabelo, celulares cor-de-rosa e lentes de contato verdes para mudar a cor dos olhos.

Alguém estranha que elas não prefiram uma comida boa ou uma roupa quente? Como disse uma menina, o que elas querem é ser bonitas (claro, nos moldes da cultura de massa). Será que, como a turba de Londres, elas seriam culpadas por não desejarem bens “de primeira necessidade”?

Não penso assim -e não é por indulgência com assaltos e arrastões. É porque, na nossa época, as “futilidades” são, no mínimo, tão relevantes e tão necessárias quanto era o pão em 1789. Explico.
Em 1789, as diferenças eram de casta. Salvo filósofos perdidos na turba, as pessoas reunidas no protesto queriam manifestar sua indignação e satisfazer sua fome, mas não pensavam em mudar a ordem social e subir na vida. Na época, aliás, ninguém subia para lugar nenhum, as pessoas ocupavam o lugar que lhes cabia por nascimento.

À força de indignação e raiva, as coisas foram longe, até que ruiu o próprio regime de castas. Desde então, o que confere status não é mais o berço (nobre ou não) no qual a cegonha nos depositou, mas fatores que não dependem só do acaso: trabalho, riqueza, estilo, virtudes morais, cultura etc.

“Quem somos” depende de como conduzimos nossa vida e (indissociavelmente) de como ela é avaliada pelos outros. Para obter o reconhecimento de nossos semelhantes (sem o qual não somos nada), os objetos que nos circundam ajudam mais do que a barriga cheia; eles têm uma função parecida com a dos paramentos das antigas castas: declaram e mostram nosso status -se somos antenados, pop, fashion, sem noção, ricos, pobres ou emergentes, cultos ou iletrados.

Podemos achar cafonas os objetos roubados pelas meninas e pelos saqueadores (o consumo de massa desvaloriza seu consumidor), mas o que importa é que eles roubaram objetos que lhes eram necessários para existir, para ser “alguém” no mundo. Isso não justifica nem saques nem arrastões; mas vale notar que, na nossa época, as futilidades são, no mínimo, tão relevantes e necessárias quanto era o pão para o pessoal de 1789.

Outro aspecto. Houve quem detestou os saqueadores londrinos por eles não estarem interessados em alterar a ordem social: roubaram para ter as mesmas coisas que a gente e, portanto, chegar exatamente ao lugar que nós ocupamos agora. Para usar uma expressão clássica em filosofia, os saqueadores seriam um caso de “ressentiment”.

Nietzsche tomou o termo (e parte de seu sentido) de Kierkegaard. Modernizando, a ideia é a seguinte: “Não tive sorte ou, então, sou burro e preguiçoso, acho chato estudar e gosto de dormir. Sou invisível socialmente e invejo o bem-sucedido, que se pavoneia com seus objetos. Não quero me sentir culpado de minha condição; prefiro, portanto, acusar dela o bem-sucedido. Com isso, viverei minha mediocridade como se fosse o resultado da violência dos privilegiados, que gozam de tudo e não deixam nada para mim”.

Enfim, para se consolar, o ressentido inventa uma moral (social ou religiosa) pela qual, no futuro, seu perseguidor será destronado pela revolta ou queimará nas chamas do Inferno.

Nos bares da “facu” de filosofia, nos anos 1970, colegas de direita acusavam a revolução proletária de ser apenas um projeto ressentido. Respondíamos que a revolução não era ressentida, porque ela não queria vingança, não queria substituir a burguesia, apropriando-se de seus brinquedos: seu intuito era inaugurar um mundo diferente, onde todos gozaríamos de novos prazeres.

Desse ponto de vista, os saqueadores de Londres, eles sim, seriam simplesmente uns ressentidos, não é?

Pode ser, mas, antes de responder, recomendo paciência: o que hoje parece apenas “ressentiment” pode ser a faísca de mudanças que nem suspeitamos. Afinal, o pessoal de 1789 só pedia pão, e olhe o que aconteceu…

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ago

05

TOC, TOC, TOC

Nina Horta (uma predestinada, como diria Zé Simão!) escreveu um texto delicioso ontem, em sua coluna, na Folha.

Resposta à menina pequena
O bom cozinheiro é obsessivo com essa história de limpeza, e você vai acabar obsessivo também

Menina pequena que me pede como aprender a cozinhar. O que fazer para começar? Depende. Você ainda não sabe se será profissão, vocação, missão ou hobby. Vá aprendendo ao deus-dará e vivendo a vida. Estude bastante, aprenda uma língua – inglês, de preferência – leia muito, vá ao cinema, ao teatro, assista TV, aprenda a costurar ou bordar ou jogar bola. Tudo isso vai ser importante na hora de cozinhar.

Não se esqueça de jardinagem, nem de natação ou do salto de obstáculos e das pequenas e deliciosas coisas da vida, como tomar café de manhã sem ninguém por perto, numa manhã de sol brando.

As receitas propriamente ditas são recortes de um tempo, de um lugar, não são tão importantes. Mas é uma época divertida aquela em que se monta fichas, cadernos, cola-se recortes, anota-se no iPad.

Se quiser cursar gastronomia, tudo bem, mas qualquer outra que você curse vai ter o mesmo efeito, se começar a trabalhar com um bom chef num bom restaurante.

Não é sopa, mas é lá que você vai ver se gosta mesmo de cozinha. A disciplina é férrea, não tem hora para brincar. Diga adeus àquela minissaia vermelha, às flores no cabelo, à barriguinha de fora.

Cozinheiro que é cozinheiro tem o maior respeito e orgulho do uniforme.

Mas, não pense que é ficar toda linda, de toque branco e calça xadrez fazendo risoto de violetas.

Adivinhe quem vai lavar o chão no fim do dia? E deixar as bancadas brilhando como novas? Você, menina.

Se não suportar esse lado de limpar, lavar o que os outros sujaram, se não for paciente e obstinada, desista já enquanto é tempo.

Geralmente o bom cozinheiro é obsessivo com essa história de limpeza e você vai acabar obsessiva também.

A cozinha pede e a gente obedece, é uma coisa artesanal que pede muito as mãos, o jeito e a obediência aos chefes, o respeito pelo saber. Todo esse tempo você estará crescendo por dentro. Não que você não possa aprender algumas coisas sozinha, mas demora mais.

Tem uma hora que as primeiras técnicas vão ser dominadas e você lá, pimpona, toc, toc, toc, com aquela faca maravilhosa comprada com seu primeiro salário e guardada num envelope de pano, só sua, na sua faca ninguém mexe. Pode começar daí um comichão de criar.

Acho que li num livro do Bourdain, não me lembro, de um chef que entrevistava os candidatos a cozinheiro e dizia: “Depois escuto essa conversa de flores na salada, daqui a dois anos venha conversar comigo, mas agora quero você assando 15 pernis ao dia, na perfeição, ok?”

É uma profissão sofrida que te rouba muito da vida social, pois quando estão festejando o cozinheiro está lá, no fogão. Dá muito e muito prazer, também. Aprender pela vida inteira é um belo desafio.

Como a cozinha está ligada a tudo e todos, será um estudo sem fim, mas totalmente misturado a lugares, pessoas, costumes, tradições, técnicas novas. Prefere ficar no fogão do que na festa? Já é um sinal de “borralheira” que pode te levar um dia a Cinderela. Agora, se você escolhesse ser pianista ou médica seria muito diferente? Acho que não. Voltamos a conversar.

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ago

04

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Gladwell fez uma importante reflexão sobre os tempos atuais na Folha, em 12/12/2010. Seu texto questiona o poder das redes sociais enquanto meio para o ativismo. Interessante que, um tempo depois de ler o texto, encontrei outro, no imprescindível Design Observer, que questiona as ideias do Malcolm Gladwell. No fim das contas, a discussão é interminável e penso que todo mundo pode estar certo!

A revolução não será tuitada
Os limites do ativismo político nas redes sociais

RESUMO
O ativismo em redes sociais como o Facebook e o Twitter deriva de vínculos fracos entre seus participantes, que não correm riscos reais como os militantes tradicionais, unidos por vínculos fortes, em ações hierarquizadas e de alto risco, tais como as organizadas durante a campanha pelos direitos civis nos EUA dos anos 60.

MALCOLM GLADWELL
Tradução PAULO MIGLIACCI

ÀS QUATRO E MEIA da tarde da segunda-feira 1º/2/1960, quatro universitários se sentaram ao balcão da lanchonete de uma loja Woolworth’s no centro de Greensboro, na Carolina do Norte. Eram calouros na North Carolina A&T, faculdade para negros localizada a pouco mais de 1 km dali.

“Um café, por favor”, disse um deles, Ezell Blair, à garçonete.

“Não atendemos crioulos aqui”, ela respondeu.

O comprido balcão em L comportava 66 pessoas sentadas; numa das pontas, comia-se de pé. Os assentos eram para os brancos. A área onde se comia de pé era para os negros. Outra funcionária, uma negra encarregada da estufa, tentou convencê-los a sair: “Vocês estão sendo burros, seus ignorantes!”. Eles não se mexeram.

Por volta das cinco e meia as portas principais da loja foram fechadas. Os quatro continuaram lá. Por fim, saíram por uma porta lateral. Do lado de fora, formara-se uma pequena multidão, incluindo um fotógrafo do jornal “Record”, de Grensboro. “Volto amanhã, com o A&T College inteiro”, disse um dos universitários.

Na manhã seguinte, o protesto havia se expandido e o grupo somava 27 homens e quatro mulheres, em grande parte do mesmo alojamento dos quatro manifestantes originais. Os homens estavam de terno e gravata. Todos levaram material e ficaram no balcão, estudando. Na quarta, veio a adesão dos alunos do colégio “para crioulos” de Greensboro, a Dudley High, e o número de manifestantes subiu a 80. Na quinta, já eram 300, incluindo três brancas, do campus local da Universidade da Carolina do Norte.

No sábado, o protesto contava 600 pessoas, espalhadas pelas calçadas em torno da loja. Adolescentes brancos assistiam, acenando com bandeiras da Confederação.1 Alguém soltou um rojão. Ao meio-dia, chegou o time de futebol americano da A&T. “Lá vêm os baderneiros”, berrou um dos estudantes brancos.

Na segunda seguinte, o protesto já havia chegado a Winston-Salem, a 40 km dali, e Durham, a 80 km. No dia seguinte, veio a adesão dos alunos do Fayetteville State Teachers College e do Johnson C. Smith College, em Charlotte, seguidos, na quarta, pelos alunos do St. Augustine’s College e da Universidade Shaw, em Raleigh. Na quinta e na sexta, o protesto atravessou as divisas do Estado e novas manifestações surgiram em Hampton e Portsmouth, na Virgínia; em Rock Hill, na Carolina do Sul; e em Chattanooga, no Tennessee. No final do mês, manifestações semelhantes estavam sendo realizadas em todo o sul dos Estados Unidos, chegando até o Texas, no oeste.

FEBRE “Perguntei a cada um dos estudantes que encontrei como tinha sido o primeiro dia de protesto em seu campus”, escreveu o cientista político Michael Waltzer ?em artigo na revista “Dissent”. “A resposta foi sempre a mesma: ‘Foi uma febre. Todo mundo queria participar’.”

Por fim, cerca de 70 mil estudantes aderiram. Milhares deles foram detidos, e outros tantos se radicalizavam. Esses acontecimentos do começo dos anos 60 se tornaram uma guerra dos direitos civis que engolfou o sul dos Estados Unidos até o final da década -e tudo aconteceu sem e-mail, mensagens de texto, Facebook ou Twitter.

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