mar

21

MICRÓBIOS ME MORDAM!

Um pouco filme de ficção científica a coluna do Calligaris, de 15/3/2012, não? O importante é perceber como tem cientista pra tudo no mundo.

Micróbios dominadores

Os micróbios que vivem no nosso corpo podem influenciar nosso comportamento

Em 2010, nos “Annals of Epidemiology”, li uma pesquisa que achei inquietante: ela confirmava uma dúvida que me assombrara por um bom tempo, a partir dos meus oito anos.

Com essa idade, aprendi que, mesmo sem estarmos doentes, somos habitados por bactérias, vírus, parasitas e fungos, que prosperam dentro de nosso organismo.

E me interroguei: esses micróbios, além de fazerem (eventualmente) com que a gente adoeça, não estariam dentro de nós como pilotos numa imensa espaçonave? Apesar de acreditarmos em nossa autonomia, quem sabe eles não estejam, de fato, no volante de nossa vida?

Justamente, os autores da pesquisa, Chris Reiber, J. Moore e outros, queriam saber se um vírus pode mandar em nós -não só alterar nosso humor, mas realmente influenciar nosso comportamento.

Eles descobriram que os infectados pelo vírus da gripe, durante o período da incubação (em que são contagiosos, mas não apresentam sintomas), tornam-se especialmente sociáveis. Em outras palavras, os infectados parecem agir no interesse do vírus, que é o de contagiar o máximo possível.

Claro, não é que os micróbios se sirvam da gente para levar a cabo um “plano” maquiavélico. Mas se entende, com Darwin, que um vírus que nos torne sociáveis durante a incubação só pode se dar bem na seleção natural, pois ele se espalhará facilmente. Ou seja, os micróbios mais eficientes seriam os que conseguem nos usar em seu interesse próprio, os que nos transformam em seus súcubos.

O que sobraria de nossa “autonomia” se todos os micróbios enquistados no nosso organismo influenciassem (silenciosamente) nossos pensamento e comportamento?

Kathleen McAuliffe, na “The Atlantic” de março, conta a história de Jaroslav Flegr, um cientista que, há 20 anos, pretende que um parasita, o Toxoplasma gondii, manipule e transforme os que ele infecta.

O hospedeiro definitivo do Toxoplasma gondii é o gato, em cujo corpo o parasita se reproduz sexualmente. Seu hospedeiro intermediário típico é o rato, que se infecta ao ingerir o Toxoplasma (direta ou indiretamente) nas fezes do gato e, logo, ao ser comido por um felino, leva o parasita de volta para seu hospedeiro definitivo.

Agora, o Toxoplasma pode infectar qualquer mamífero, enquistando-se no tecido muscular e no cérebro. Nos humanos, ele é presente em 55% dos franceses (comedores de carne crua -claro, de boi infectado) e em 10 a 20% dos norte-americanos. Em tese, pouco importa, pois o Toxoplasma só seria perigoso na gravidez, quando produz malformações fetais. Mas será que esse é seu único efeito?

Há mais de uma década, descobriu-se que o Toxoplasma altera o comportamento dos ratos infectados, tornando-os atrevidos e fãs do cheiro da urina de gato (de que normalmente eles fugiriam). Ou seja, o Toxoplasma transforma o rato numa presa mais fácil para o gato, no estômago do qual o parasita quer acabar sua viagem.

Outra surpresa. Nos ratos (e só neles), o parasita pode ser transmitido por via sexual; ora, verifica-se que os ratos machos infectados são inexplicavelmente mais desejáveis aos olhos das fêmeas.

Um parasita capaz de influenciar o cérebro do rato, seu hospedeiro intermediário preferido, não teria efeito algum quando se instala no nosso cérebro?

Para começar, o Toxoplasma parece produzir em nós alguns efeitos parecidos com os que ele produz nos ratos: por exemplo, muitos humanos infectados passam a achar agradável o cheiro da urina de gato. Nada dramático: a gente é raramente comido por gatos (mas resta a pergunta: se você adora gatos, é porque gosta mesmo ou porque carrega o Toxoplasma gondii no seu cérebro?).

Há mais: a presença do Toxoplasma gondii no cérebro alavanca a produção de dopamina, um neurotransmissor cujo excesso é um dos fatores no conjunto de causas possíveis da esquizofrenia.

Enfim, o fato é que estamos começando a descobrir que os micróbios aparentemente inócuos que vivem no nosso corpo podem influenciar nosso comportamento.

Não acredito que sejamos os títeres de germes, parasitas, fungos e vírus, mas, certamente, o ambiente que nos constitui e determina não é só o das interações com nossos semelhantes. É também o de interações misteriosas com seres que sequer enxergamos. Inquietante, hein?

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mar

05

PENSE, DANCE, PENSE

Com cada vez mais frequência, novas teorias derrubam o mito das soluções milagrosas dos brainstormings. Compactuo com a ideia. O artigo que saiu na Ilustríssima, em 4/3/2012, faz um apanhado geral do assunto.

O “brainstorming” vs. o poder dos introvertidos

HÉLIO SCHWARTSMAN
DE SÃO PAULO

Como temos boas ideias? A questão não é trivial e já mobilizou de pensadores do porte de Platão, Descartes e David Hume a empresários preocupados em aumentar a produtividade de seus funcionários. Como não poderia deixar de ser, métodos ditos infalíveis para obtê-las enchem as estantes das seções de livros de autoajuda.

A maioria dessas receitas está errada. E a razão é muito simples: o mundo é um lugar complexo demais para ser subsumido por meia dúzia de fórmulas pré-fabricadas. Para tornar as coisas um pouco mais complicadas, muitas vezes topamos com uma boa ideia sem conseguir identificá-la como tal.

Recentes descobertas na psicologia e na neurociência, ainda que não permitam produzir um guia da criatividade passo a passo, pelo menos servem para descartar determinados mitos que insistem em se perpetuar.

“BRAINSTORMING”

O mais célebre deles é o do “brainstorming”. Como conta o escritor Jonah Lehrer em recente artigo para a revista “The New Yorker”, o conceito surgiu no livro “Your Creative Power” (Myers Press). Nesta obra de 1948, ainda em catálogo, o publicitário norte-americano Alex Osborn, sócio da mítica agência BBDO, prometia dobrar o poder criativo do leitor.

O livro, que foi um inesperado “best-seller”, trazia conselhos como “carregue sempre um caderninho, para não ser surpreendido pela inspiração”. O ponto alto, contudo, estava no capítulo 33, intitulado “Como organizar um esquadrão para gerar ideias”. Osborn dizia que o segredo do sucesso de sua agência eram as sessões de “brainstorming”, nas quais uma dezena de publicitários se reunia por 90 minutos e saía com 87 novas ideias para uma “drugstore”.

A principal regra de um “brainstorming” era “não critique o companheiro”. Para Osborn, “a criatividade é uma flor tão delicada”, que precisa ser alimentada com o louvor e pode ser destruída por uma simples palavra de desencorajamento.

A coisa pegou como uma praga. Osborn escreveu vários outros “best-sellers” e virou guru da literatura de negócios. Os pedagogos também adoraram e até hoje nossos filhos perdem precioso tempo na escola se dedicando a atividades de grupo onde o mantra é jamais criticar o coleguinha, mesmo que ele diga uma tremenda besteira.

O principal problema com o “brainstorming” é que ele não funciona. Como mostra Lehrer, o conceito fracassou já em seu primeiro teste empírico, em 1958. Pesquisadores da Universidade Yale puseram dois grupos de 48 estudantes para propor soluções criativas para uma série de problemas.
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fev

10

LEI DE GRESHAM

Reflexão importante e interessante.
Ver, mas pensar.

Saiu na Folha, em outubro de 2011.

A elusiva grande ideia

NEAL GABLER
OPINIÃO

As ideias não são mais o que eram antes. Antigamente, elas incendiavam debates, estimulavam outros pensamentos, incitavam revoluções e alteravam a maneira como vemos e pensamos o mundo.

Elas podiam penetrar na cultura geral e transformar pensadores em celebridades -caso notável de Albert Einstein, mas também de Reinhold Niebuhr, Daniel Bell, Betty Friedan, Carl Sagan e Stephen Jay Gould, para citar alguns. As próprias ideias podiam ficar famosas -”o fim das ideologias”, “o meio é a mensagem” “a mística feminina”, “a teoria do Big Bang”, “o fim da história”. Uma grande ideia podia ser capa da “Time” -”Deus morreu?”-, e intelectuais americanos como Norman Mailer, William Buckley Jr. e Gore Vidal eram eventualmente convidados para “talk shows” de TV. Como isso faz tempo.

Se nossas ideias agora parecem menores, não é por sermos mais burros do que nossos antepassados, mas simplesmente porque não ligamos mais tanto para elas. Agora, ideias que não podem ser instantaneamente monetizadas têm tão pouco valor intrínseco que cada vez menos pessoas estão gerando-as, e cada vez menos veículos as disseminam.

Não é segredo, especialmente nos EUA, que vivemos numa era pós-iluminista em que a racionalidade, a ciência, a argumentação lógica e o debate perderam a batalha em muitos setores para a superstição, a fé, a opinião e a ortodoxia. Retrocedemos de modos avançados do pensamento para velhas crenças.

O guru ofusca o intelectual público, substituindo a reflexão pelo escândalo. O ensaio entrou em declínio nas revistas de interesse geral. E há a ascensão de uma cultura cada vez mais visual, especialmente entre os jovens -o que dificulta a expressão das ideias.

Mas a verdadeira causa de um mundo pós-ideias pode ser a própria informação. Numa época em que sabemos mais do que nunca, pensamos menos a respeito disso.

Graças à internet, parece que temos acesso imediato a qualquer coisa que se possa querer saber. No passado, por outro lado, coletávamos informações não apenas para saber as coisas, mas também para convertê-las em algo maior e eventualmente mais útil do que meros fatos -em ideias que davam sentido à informação. Buscávamos não só apreender o mundo como também compreendê-lo, o que é a função primária das ideias. Grandes ideias explicam o mundo e nos explicam.

Mas se a informação já foi a matéria-prima das ideias, ela se tornou, na última década, concorrente destas. Somos inundados por tantas informações que nem se quiséssemos -e a maioria não quer- teríamos tempo de processá-las.

A coleção em si é exaustiva: o que cada um dos nosso amigos está fazendo num momento específico e no próximo; com quem a Jennifer Aniston está saindo; qual vídeo se tornou viral no YouTube na última hora.

Com efeito, estamos vivendo sob uma lei de Gresham [um conceito econômico] aplicada à informação, em que a informação trivial expulsa a informação significativa, mas também sob uma lei de Gresham aplicada às ideias, em que a informação, trivial ou não, expulsa as ideias.

Preferimos saber a pensar, pois saber tem mais valor imediato. O saber nos mantém no circuito, conectados. Certamente não é por acaso que o mundo pós-ideias tenha brotado junto com o mundo das redes sociais.

Embora haja sites e blogs dedicados às ideias, o Twitter, o Facebook, o MySpace, o Flickr e outros são basicamente Bolsas de informação, criadas para alimentar a fome por informação, embora raramente o tipo de informação que gere ideias. É, em grande parte, algo inútil, exceto na medida em que faz o possuidor da informação se sentir informado. E esses sites estão suplantando o texto impresso, que é onde as ideias tipicamente têm sido gestadas.

São formas de distração ou de antipensamento.

As implicações de uma sociedade que já não pensa grande são enormes. Ideias não são apenas brinquedos intelectuais. Elas têm efeitos práticos.
Um amigo meu se perguntou, por exemplo, onde estão os novos John Rawls e Robert Nozick, filósofos capazes de elevarem a nossa política.

Pode-se certamente argumentar o mesmo a respeito da economia onde John Maynard Keynes continua a ser o centro do debate quase 80 anos depois de propor a sua teoria do estímulo governamental.

Isso não quer dizer que os sucessores de Rawls e Keynes não existam, mas é improvável que eles consigam ganhar força numa cultura que vê tão pouca utilidade nas ideias. Todos os pensadores são vítimas do excesso de informação.

Sem dúvida haverá quem diga que as grandes ideias migraram para o mercado, mas há uma enorme diferença entre as invenções voltadas para o lucro e os pensamentos intelectualmente desafiadores. Alguns empreendedores, como Steve Jobs, da Apple, já tiveram ideias brilhantes, no sentido “inventivo” da palavra.

Essas ideias, porém, podem mudar a maneira como vivemos, mas não a forma como pensamos. Elas são materiais, e não relacionadas ao universo das ideias propriamente ditas. A nossa carência é de pensadores.

Nós nos tornamos narcisistas da informação, tão desinteressados por qualquer coisa alheia a nós ou ao nosso círculo de amizades, ou por qualquer migalha que não possamos dividir com esses amigos, que se um Marx ou Nietzsche de repente aparecesse berrando suas ideias ninguém prestaria a mínima atenção -certamente não a mídia geral, que aprendeu a atender ao nosso narcisismo.

O que o futuro anuncia é um volume cada vez maior de informação -Everests dela. Não haverá nada que não saibamos. Mas não haverá ninguém pensando a respeito. Pense nisso.

Neal Gabler é o autor de “Walt Disney: O Triunfo da Imaginação Americana”

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out

03

MESMICE

Em 12 de setembro de 2011, Ricardo Semler, autor do best-seller Você está louco!, e articulista da Folha escreveu sobre um assunto banal, mas que não deixa de ser relevante. Muitas vezes, nos vemos diante dessa armadilha. A mesmice deixa o mundo cansativo. Boa leitura.

Preto e prata, preto e prata
Como se camaleões fôssemos, evitamos o realce; estamos protegidos se escolhemos a mesmice

Preste atenção e verá que quase todo carro é preto ou prata. Inclui cinza, digamos. Ando intrigado, nas estradas, pela hegemonia dessa paleta de cores, que soma 86% das escolhas.

Será que o brasileiro é um tanto triste, por isso fica entre nuances cinzentas? Seria diferente em outros países? E essas escolhas teriam relação com a uniformização iniciada na escola?

A DuPont estuda essa questão há 55 anos. Nos EUA há agora a tendência pelo branco. Na Itália e França vence uma cor que aqui não faz qualquer sucesso: o bege. Apenas na China é que o laranja sobressai. Na Escandinávia impera o prata, como em muitas regiões do mundo. Tem a razão leiga, que diz que carros cinzentos e pretos são mais fáceis de revender, e portanto vendem mais. Na linha do vende mais porque é fresquinho, e é fresquinho porque vende mais. Custo de seguro e chance de ser roubado não são muito relevantes.

Se olharmos para executivos num restaurante veremos cores básicas nos ternos e tailleurs. Se subirmos o olhar para a arquitetura de edifícios, veremos o triste e conservador neoclássico, e o bege nas paredes cansadas. Se procurarmos nas escolas algum alívio arquitetônico, seremos oprimidos pela mesmice.

Nas escolas infantis seremos derrotados pelas paredes internas coloridas, o exterior branco, um tanto de verde no paisagismo e um ar pseudofeliz de todos os adultos. As crianças têm e emprestam o animus que acende essa mesmice mesmo quando elas são uniformizadas com a exaustiva roupinha que faz delas um clichê ambulante.

As cores dos carros refletem, sim, um conservadorismo tribal. Como uniformes infantis. Somos criaturas de hábito, e esses hábitos miram a segurança. O alvo é o pertencer. Como se camaleões fôssemos, queremos evitar o realce. Estaremos mais protegidos dos inimigos, do roubo, do acidente, se escolhermos a mesmice. Camuflados pela perda de identidade, podemos relaxar.

Mas isso não é rota para a escola. É hora de começarmos a inovar. Não é outra a razão para a sala de aula, mesmo nestes tempos digitais, ter a mesma cara de 1860. Há muito tempo deveríamos ter abolido as carteiras, a lousa (e seus fac-símiles), e mesmo o edifício da escola como centro da educação.

Está na hora de pensarmos em diminuir a uniformidade que começa no infantil e que forma esses adultos que têm medo de escolher um carro ou roupa mais coloridos.

Centrar a educação em um aluno por vez não passa de clichê. Pensemos no que a escola pode arriscar, para que termine esta linha de montagem igualzinha, que produz estes adultos iguaizinhos para este mercado de trabalho igualzinho.

Mesmo tendo um carro prata, e o da minha esposa sendo preto, conclamo: haja uniformidade, minha gente, haja preto e prata.

RICARDO SEMLER, 52, é empresário. Foi scholar da Harvard Law School e professor de MBA no MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts). Foi escolhido pelo Fórum Econômico de Davos como um dos Líderes Globais do Amanhã. Escreveu dois livros (“Virando a Própria Mesa” e “Você Está Louco”) que venderam juntos 2 milhões de cópias em 34 línguas.

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ago

30

SEM MAIS DELONGAS

Esse artigo, da The New Yorker, nos dá um tapa, em cheio, na cara, dois socos na barriga e um peteleco na orelha.

Brilhante explanação sobre a arte humana de procrastinar. E o referido livro, que já está na wish list, parece imperdível.

Vai deixar pra ler depois?

Later

What does procrastination tell us about ourselves?
by James Surowiecki October 11, 2010
Procrastination interests philosophers because of its underlying irrationality.

Some years ago, the economist George Akerlof found himself faced with a simple task: mailing a box of clothes from India, where he was living, to the United States. The clothes belonged to his friend and colleague Joseph Stiglitz, who had left them behind when visiting, so Akerlof was eager to send the box off. But there was a problem. The combination of Indian bureaucracy and what Akerlof called “my own ineptitude in such matters” meant that doing so was going to be a hassle—indeed, he estimated that it would take an entire workday. So he put off dealing with it, week after week. This went on for more than eight months, and it was only shortly before Akerlof himself returned home that he managed to solve his problem: another friend happened to be sending some things back to the U.S., and Akerlof was able to add Stiglitz’s clothes to the shipment. Given the vagaries of intercontinental mail, it’s possible that Akerlof made it back to the States before Stiglitz’s shirts did.

There’s something comforting about this story: even Nobel-winning economists procrastinate! Many of us go through life with an array of undone tasks, large and small, nibbling at our conscience. But Akerlof saw the experience, for all its familiarity, as mysterious. He genuinely intended to send the box to his friend, yet, as he wrote, in a paper called “Procrastination and Obedience” (1991), “each morning for over eight months I woke up and decided that the next morning would be the day to send the Stiglitz box.” He was always about to send the box, but the moment to act never arrived. Akerlof, who became one of the central figures in behavioral economics, came to the realization that procrastination might be more than just a bad habit. He argued that it revealed something important about the limits of rational thinking and that it could teach useful lessons about phenomena as diverse as substance abuse and savings habits. Since his essay was published, the study of procrastination has become a significant field in academia, with philosophers, psychologists, and economists all weighing in.

Academics, who work for long periods in a self-directed fashion, may be especially prone to putting things off: surveys suggest that the vast majority of college students procrastinate, and articles in the literature of procrastination often allude to the author’s own problems with finishing the piece. (This article will be no exception.) But the academic buzz around the subject isn’t just a case of eggheads rationalizing their slothfulness. As various scholars argue in “The Thief of Time,” edited by Chrisoula Andreou and Mark D. White (Oxford; $65)—a collection of essays on procrastination, ranging from the resolutely theoretical to the surprisingly practical—the tendency raises fundamental philosophical and psychological issues. You may have thought, the last time you blew off work on a presentation to watch “How I Met Your Mother,” that you were just slacking. But from another angle you were actually engaging in a practice that illuminates the fluidity of human identity and the complicated relationship human beings have to time. Indeed, one essay, by the economist George Ainslie, a central figure in the study of procrastination, argues that dragging our heels is “as fundamental as the shape of time and could well be called the basic impulse.”

Ainslie is probably right that procrastination is a basic human impulse, but anxiety about it as a serious problem seems to have emerged in the early modern era. The term itself (derived from a Latin word meaning “to put off for tomorrow”) entered the English language in the sixteenth century, and, by the eighteenth, Samuel Johnson was describing it as “one of the general weaknesses” that “prevail to a greater or less degree in every mind,” and lamenting the tendency in himself: “I could not forbear to reproach myself for having so long neglected what was unavoidably to be done, and of which every moment’s idleness increased the difficulty.” And the problem seems to be getting worse all the time. According to Piers Steel, a business professor at the University of Calgary, the percentage of people who admitted to difficulties with procrastination quadrupled between 1978 and 2002. In that light, it’s possible to see procrastination as the quintessential modern problem.

It’s also a surprisingly costly one. Each year, Americans waste hundreds of millions of dollars because they don’t file their taxes on time. The Harvard economist David Laibson has shown that American workers have forgone huge amounts of money in matching 401(k) contributions because they never got around to signing up for a retirement plan. Seventy per cent of patients suffering from glaucoma risk blindness because they don’t use their eyedrops regularly. Procrastination also inflicts major costs on businesses and governments. The recent crisis of the euro was exacerbated by the German government’s dithering, and the decline of the American auto industry, exemplified by the bankruptcy of G.M., was due in part to executives’ penchant for delaying tough decisions. (In Alex Taylor’s recent history of G.M., “Sixty to Zero,” one of the key conclusions is “Procrastination doesn’t pay.”)

Philosophers are interested in procrastination for another reason. It’s a powerful example of what the Greeks called akrasia—doing something against one’s own better judgment. Piers Steel defines procrastination as willingly deferring something even though you expect the delay to make you worse off. In other words, if you’re simply saying “Eat, drink, and be merry, for tomorrow we die,” you’re not really procrastinating. Knowingly delaying because you think that’s the most efficient use of your time doesn’t count, either. The essence of procrastination lies in not doing what you think you should be doing, a mental contortion that surely accounts for the great psychic toll the habit takes on people. This is the perplexing thing about procrastination: although it seems to involve avoiding unpleasant tasks, indulging in it generally doesn’t make people happy. In one study, sixty-five per cent of students surveyed before they started working on a term paper said they would like to avoid procrastinating: they knew both that they wouldn’t do the work on time and that the delay would make them unhappy.

Most of the contributors to the new book agree that this peculiar irrationality stems from our relationship to time—in particular, from a tendency that economists call “hyperbolic discounting.” A two-stage experiment provides a classic illustration: In the first stage, people are offered the choice between a hundred dollars today or a hundred and ten dollars tomorrow; in the second stage, they choose between a hundred dollars a month from now or a hundred and ten dollars a month and a day from now. In substance, the two choices are identical: wait an extra day, get an extra ten bucks. Yet, in the first stage many people choose to take the smaller sum immediately, whereas in the second they prefer to wait one more day and get the extra ten bucks. In other words, hyperbolic discounters are able to make the rational choice when they’re thinking about the future, but, as the present gets closer, short-term considerations overwhelm their long-term goals. A similar phenomenon is at work in an experiment run by a group including the economist George Loewenstein, in which people were asked to pick one movie to watch that night and one to watch at a later date. Not surprisingly, for the movie they wanted to watch immediately, people tended to pick lowbrow comedies and blockbusters, but when asked what movie they wanted to watch later they were more likely to pick serious, important films. The problem, of course, is that when the time comes to watch the serious movie, another frothy one will often seem more appealing. This is why Netflix queues are filled with movies that never get watched: our responsible selves put “Hotel Rwanda” and “The Seventh Seal” in our queue, but when the time comes we end up in front of a rerun of “The Hangover.”

The lesson of these experiments is not that people are shortsighted or shallow but that their preferences aren’t consistent over time. We want to watch the Bergman masterpiece, to give ourselves enough time to write the report properly, to set aside money for retirement. But our desires shift as the long run becomes the short run.

Why does this happen? One common answer is ignorance. Socrates believed that akrasia was, strictly speaking, impossible, since we could not want what is bad for us; if we act against our own interests, it must be because we don’t know what’s right. Loewenstein, similarly, is inclined to see the procrastinator as led astray by the “visceral” rewards of the present. As the nineteenth-century Scottish economist John Rae put it, “The prospects of future good, which future years may hold on us, seem at such a moment dull and dubious, and are apt to be slighted, for objects on which the daylight is falling strongly, and showing us in all their freshness just within our grasp.” Loewenstein also suggests that our memory for the intensity of visceral rewards is deficient: when we put off preparing for that meeting by telling ourselves that we’ll do it tomorrow, we fail to take into account that tomorrow the temptation to put off work will be just as strong.

Ignorance might also affect procrastination through what the social scientist Jon Elster calls “the planning fallacy.” Elster thinks that people underestimate the time “it will take them to complete a given task, partly because they fail to take account of how long it has taken them to complete similar projects in the past and partly because they rely on smooth scenarios in which accidents or unforeseen problems never occur.” When I was writing this piece, for instance, I had to take my car into the shop, I had to take two unanticipated trips, a family member fell ill, and so on. Each of these events was, strictly speaking, unexpected, and each took time away from my work. But they were really just the kinds of problems you predictably have to deal with in everyday life. Pretending I wouldn’t have any interruptions to my work was a typical illustration of the planning fallacy.

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ago

19

CICLO DE CARREIRA

Interessante o artigo da Betânia Tanure, no Valor, de hoje. Um assunto muito abordado também na FDC, demonstra como é importante o auto-policiamento das nossas ações e atitudes.

Os quatro estágios do ciclo de carreira de todo CEO

O ciclo de carreira de qualquer pessoa, em qualquer posição, tem quatro estágios. Pensemos no CEO. Quando ele assume a função, seja ou não pela primeira vez, é importante, como parte de sua atuação no primeiro estágio, aculturar-se, entender a organização e observar qual é a perspectiva de orquestrador geral no novo ambiente.

Para quem inicia a carreira de CEO, o processo de aculturação não é o mesmo de quem já exerceu o cargo em outras empresas. Uma diferença importante está nas expectativas pessoais quanto à nova função. Muitas vezes a sensação de quem chega à presidência é de “finalmente consegui!” Em pouco tempo, porém, surgem alguns questionamentos: “Era isso mesmo? Tudo indica que não vou ficar tão independente como imaginava”. Ele observa que tem um board como seu chefe: “Tudo o que eu cobrava do meu presidente, agora é comigo…” E que, mesmo após adaptar-se a isso, os desafios que ele tem a enfrentar não são pequenos.

É no primeiro estágio que o CEO deve sair da posição comum de quem garante diretamente o resultado do business para a de quem tem como principal tarefa “recalibrar” o foco e a energia pensando no curto e no longo prazos. Trata-se de uma atuação mais estratégica e institucional, a qual nem todos os executivos – mesmo que excepcionais gestores de unidades de negócio ou funcionais – querem ou sabem realizar. Tanto o CEO iniciante quanto o mais experiente têm pontos a desenvolver. Um deles, aliás, é o de lidar com o legado do presidente anterior, que, muitas vezes inconscientemente, criou algumas armadilhas para manter seu sucesso, as quais podem comprometer o desempenho da nova etapa.

O novo líder enfrenta ainda as expectativas dos seus liderados. Uma delas é de que seja o “salvador da pátria”, especialmente quando a empresa está em situação difícil e ele vem de fora. A ansiedade é grande também para ele. Um novo jogo de poder será estabelecido. Então o que deve fazer? Ouvir, ouvir e ouvir. Com isso, e no tempo certo, compreenderá melhor o sentimento geral, inclusive os seus, e não estará sujeito à armadilha de se colocar como “todo-poderoso”, aquele que tem todas as respostas e soluções para todas as pessoas. Caso contrário, pulará o estágio seguinte, da consolidação, e não se fortalecerá. Ou, como ocorre em alguns casos, irá direto para a quarta etapa, o que caracteriza o fracasso da escolha.

No segundo estágio já se conhecem razoavelmente o cenário e as variáveis mais importantes. Além disso, o mapa de poder, com seu dinamismo natural, já tem um novo desenho e os resultados começam a aparecer, o que contribui para a consolidação na liderança. Essa etapa é do esplendor da energia individual, empresarial e, portanto, de resultados.

Daí se passa para o terceiro estágio. Agora é necessário reinventar-se. As variáveis estão “sob controle” (ah, se isso fosse possível!). O modelo de negócios se altera cada vez mais rapidamente. Estamos na era das incertezas, na qual (como eu disse no último artigo desta coluna) o grande líder sozinho já não consegue ser vencedor. É um equívoco ele achar que o sucesso é só seu.

Não raramente, mesmo os que obtêm sucesso nessa etapa estão em posição de risco. É comum que pessoas bem-sucedidas se recusem a ouvir novas ideias. Ficam míopes, deixando que a arrogância, muitas vezes disfarçada de simplicidade, invada suas vidas. O controle e a burocracia dominam. Aí se desenha claramente o declínio. Quem está ao lado do líder durante essa etapa enxerga tal realidade antes dele. O protagonista está embevecido com o próprio sucesso e a própria história.

Um dos sinais de inteligência de um bom líder é a capacidade de perceber antes dos outros o fim e o início de cada um dos estágios de sua carreira. Há muito de emocional nessa capacidade. E quando chega a hora de mais uma vez se reinventar, de construir um novo ciclo, ele está verdadeiramente apto a evitar seu próprio declínio, a continuar na organização ou deixá-la, na busca de um novo desafio, outra empresa, outro momento de sua carreira.

Betania Tanure é doutora, professora da PUC Minas e consultora da BTA

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ago

04

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Gladwell fez uma importante reflexão sobre os tempos atuais na Folha, em 12/12/2010. Seu texto questiona o poder das redes sociais enquanto meio para o ativismo. Interessante que, um tempo depois de ler o texto, encontrei outro, no imprescindível Design Observer, que questiona as ideias do Malcolm Gladwell. No fim das contas, a discussão é interminável e penso que todo mundo pode estar certo!

A revolução não será tuitada
Os limites do ativismo político nas redes sociais

RESUMO
O ativismo em redes sociais como o Facebook e o Twitter deriva de vínculos fracos entre seus participantes, que não correm riscos reais como os militantes tradicionais, unidos por vínculos fortes, em ações hierarquizadas e de alto risco, tais como as organizadas durante a campanha pelos direitos civis nos EUA dos anos 60.

MALCOLM GLADWELL
Tradução PAULO MIGLIACCI

ÀS QUATRO E MEIA da tarde da segunda-feira 1º/2/1960, quatro universitários se sentaram ao balcão da lanchonete de uma loja Woolworth’s no centro de Greensboro, na Carolina do Norte. Eram calouros na North Carolina A&T, faculdade para negros localizada a pouco mais de 1 km dali.

“Um café, por favor”, disse um deles, Ezell Blair, à garçonete.

“Não atendemos crioulos aqui”, ela respondeu.

O comprido balcão em L comportava 66 pessoas sentadas; numa das pontas, comia-se de pé. Os assentos eram para os brancos. A área onde se comia de pé era para os negros. Outra funcionária, uma negra encarregada da estufa, tentou convencê-los a sair: “Vocês estão sendo burros, seus ignorantes!”. Eles não se mexeram.

Por volta das cinco e meia as portas principais da loja foram fechadas. Os quatro continuaram lá. Por fim, saíram por uma porta lateral. Do lado de fora, formara-se uma pequena multidão, incluindo um fotógrafo do jornal “Record”, de Grensboro. “Volto amanhã, com o A&T College inteiro”, disse um dos universitários.

Na manhã seguinte, o protesto havia se expandido e o grupo somava 27 homens e quatro mulheres, em grande parte do mesmo alojamento dos quatro manifestantes originais. Os homens estavam de terno e gravata. Todos levaram material e ficaram no balcão, estudando. Na quarta, veio a adesão dos alunos do colégio “para crioulos” de Greensboro, a Dudley High, e o número de manifestantes subiu a 80. Na quinta, já eram 300, incluindo três brancas, do campus local da Universidade da Carolina do Norte.

No sábado, o protesto contava 600 pessoas, espalhadas pelas calçadas em torno da loja. Adolescentes brancos assistiam, acenando com bandeiras da Confederação.1 Alguém soltou um rojão. Ao meio-dia, chegou o time de futebol americano da A&T. “Lá vêm os baderneiros”, berrou um dos estudantes brancos.

Na segunda seguinte, o protesto já havia chegado a Winston-Salem, a 40 km dali, e Durham, a 80 km. No dia seguinte, veio a adesão dos alunos do Fayetteville State Teachers College e do Johnson C. Smith College, em Charlotte, seguidos, na quarta, pelos alunos do St. Augustine’s College e da Universidade Shaw, em Raleigh. Na quinta e na sexta, o protesto atravessou as divisas do Estado e novas manifestações surgiram em Hampton e Portsmouth, na Virgínia; em Rock Hill, na Carolina do Sul; e em Chattanooga, no Tennessee. No final do mês, manifestações semelhantes estavam sendo realizadas em todo o sul dos Estados Unidos, chegando até o Texas, no oeste.

FEBRE “Perguntei a cada um dos estudantes que encontrei como tinha sido o primeiro dia de protesto em seu campus”, escreveu o cientista político Michael Waltzer ?em artigo na revista “Dissent”. “A resposta foi sempre a mesma: ‘Foi uma febre. Todo mundo queria participar’.”

Por fim, cerca de 70 mil estudantes aderiram. Milhares deles foram detidos, e outros tantos se radicalizavam. Esses acontecimentos do começo dos anos 60 se tornaram uma guerra dos direitos civis que engolfou o sul dos Estados Unidos até o final da década -e tudo aconteceu sem e-mail, mensagens de texto, Facebook ou Twitter.

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jul

26

NIHIL

Obra-prima o ensaio da Ilustríssima, na Folha de 24/07/11, sobre a “Apologia da Preguiça”. Faz lembrar o Clube do Nadismo, que propõe uma vida mais repleta de nadismos.

Nós, você e eu, não queremos dormir. Mas estamos acordados?

Apologia da preguiça

O sequestro do nosso tempo pelo trabalho

RESUMO

Em tempos de tecnociência, permanece irrealizada a utopia da libertação do homem pelas máquinas: nunca se trabalhou tanto, e o tempo livre jamais esteve tão fora da pauta. Ora estigmatizado na ordem produtiva, ora exaltado na tradição filosófica, o preguiçoso é hoje o símbolo do tempo livre para o pensamento.

ADAUTO NOVAES

O trabalho deve ser maldito, como ensinam as lendas sobre o paraíso, enquanto a preguiça deve ser o objetivo essencial do homem. Mas foi o inverso que aconteceu. É esta inversão que gostaria de passar a limpo.
Malevitch, “A Preguiça como Verdade Definitiva do Homem”

SABE-SE QUE uma única palavra é suficiente para arruinar reputações e, entre todas, preguiça é uma das mais suspeitas e perigosas. Ao longo dos séculos, foi carregada de significações contraditórias e impressionantes variações.

Dela decorre longo cortejo de acusações bizarras, mas também sabe ser tema de obras de arte, poesia, romance, pinturas, reflexões filosóficas: o preguiçoso é indolente, improdutivo, nostálgico, melancólico, indiferente, distraído, voluptuoso, incompetente, ineficaz, lento, sonolento, silencioso. Preguiça e trabalho guardam um misterioso parentesco, quase simétrico e especular.

Para o preguiçoso, “é preciso ser distraído para viver” (Paul Valéry), afastar-se do mundo sem se perder dele; exatamente por isso, é acusado de não contribuir para o progresso.

Além de praticar crime contra a sociedade do trabalho, o preguiçoso comete pecado capital. Pela lógica do mundo do trabalho e da igreja, ele deve sentir-se culpado, pagar pelo que não faz.

Mais: pensadores como Lafargue, Stevenson, Bertrand Russell, Jerome K. Jerome, Marx e Samuel Johnson apostaram no desenvolvimento técnico como possibilidade de liberação do trabalho. Erraram: na era da tecnociência, nunca se trabalhou tanto e nunca se pensou tão pouco. Assim, o espírito tende a se tornar coisa supérflua.

O QUE FAZER Ao pensar sobre o fazer, o ocioso pode prestar um grande serviço e ajudar a responder à velha questão moral: o que devo fazer? Dependendo da resposta, teremos diferentes definições do que seja o homem, a política, as crenças, o saber, nossa relação com o mundo, e, principalmente, nossa relação com o trabalho. A resposta pode nos dizer não apenas o que fazemos mas também o que o trabalho faz em nós.
Hoje, maravilhosas máquinas “economizam” o trabalho mecânico, mas criam novos problemas: primeiro, uma espécie de intoxicação voluntária, isto é, “mais a máquina nos parece útil, mais ela nos torna incompletos” (Valéry).

A máquina governa quem a devia governar; daí decorre o segundo problema, bem mais complexo: tantas potências auxiliares mecânicas tendem a reduzir “nossas forças de atenção e de capacidade de trabalho mental”, o que se relaciona à impaciência, à rapidez e à volatilidade nunca antes vistas.

Assim escreveu Paul Valéry (1871-1945): “Adeus, trabalhos infinitamente lentos, catedrais de 300 anos cuja construção interminável acomodava curiosas variações e enriquecimentos sucessivos… Adeus, perfeições da linguagem, meditações literárias e buscas que tornavam as obras ao mesmo tempo comparáveis a objetos preciosos e a instrumentos de precisão!

[...] Eis-nos no instante, voltados aos efeitos de choque e contraste, quase obrigados a querer apenas o que ilumina uma excitação de acaso. Buscamos e apreciamos apenas o esboço, os rascunhos. A própria noção de acabamento está quase apagada”.

MONTAIGNE Valéry retoma uma tradição. Lemos em Montaigne (1533-92) que “a alma que não tem um fim estabelecido perde-se. Porque, como se diz, estar em toda parte é não estar em lugar algum”. Aqui, entendemos por alma o “trabalho teórico do espírito”, potência de transformação. O que leva a alma (espírito) a se perder é o trabalho desordenado.
Habitar o próprio eu, comenta Bernard Sève, é o projeto de Montaigne: viver em repouso, longe das agitações do mundo, retirar-se da pressa do mundo “para se conquistar, passar do negotium ao otium”, do negócio ao ócio.

É isso que podemos ler na inscrição que Montaigne mandou pintar nas paredes da sua torre: “No ano de Cristo de 1571, aos 38 anos, vésperas das calendas de março, dia de aniversário de seu nascimento, depois de exercer longamente serviços na Corte (Parlamento de Bordeaux) e nos negócios públicos [...] Michel de Montaigne consagrou este domicílio, este tranquilo lugar vindo de seus ancestrais, à sua própria liberdade, à sua tranquilidade, ao seu ‘loisir’ (otium)”.

Eis que Montaigne recolhe-se ao ócio reflexivo, com um espírito criativo leve e vagabundo. Como escreve Sève, um Montaigne distante das pressões políticas e das injunções do trabalho burocrático, com o espírito já amadurecido, “construído pela vida, espírito prestes ao fecundo exercício de uma ociosidade inteligente e feliz”. Mas interpretemos com cuidado esse afastamento do mundo.

Se a vida teórica aparece mais compensadora, é porque Montaigne não encontrou na vida prática -social e política-, no Parlamento de Bordeaux, aquilo que buscava. À diferença dos comuns, Montaigne não procurava satisfação no reconhecimento social e político. No ócio, preferiu a busca da verdade às coisas da política.

Sua “contemplação” teórica é discursiva, isto é, transforma-se em atos de pensamento e, portanto, em atividade prática. Nascem aí os monumentais “Ensaios”.

FOUCAULT A aliança entre capital, igreja e disciplina militar para regular o trabalho tem história. Em um curso de 1973, ainda não publicado, Michel Foucault (1926-84) narra a institucionalização do trabalho através da “fábrica-caserna-convento” no final do século 19. Ele descreve as regras de uma comunidade fechada de até 400 trabalhadores: acordar às 5h, 50 minutos para toalete e café, trabalho nas oficinas das 6h10 às 20h15, com uma hora para as refeições. À noite, jantar, reza e cama às 21h. Só no sul da França, 40 mil operárias trabalhavam nessas condições.

O trabalhador é fixado no aparelho produtivo, no qual “o tempo da vida está submetido ao tempo da produção”. Vemos nessa experiência uma mudança essencial que nos interessa porque se torna mais aguda e determinante no trabalho hoje: “da fixação local a um sequestro temporal”. Ou melhor, da ideia de controle do espaço no trabalho à ideia de controle do tempo.

O trabalho sequestrou o tempo. Se, no século 19, o controle do tempo era apresentado ao operário como um “aprendizado de qualidades morais” que, na realidade, significava a integração da vida operária ao processo de produção, hoje o controle é aceito com naturalidade, e até mesmo desejado.

O homem se integra voluntariamente “a um tempo que não é mais o da existência, de seus prazeres, de seus desejos e de seu corpo, mas a um tempo que é o da continuidade da produção, do lucro”.
A reivindicação de tempo livre tornou-se quase que palavra de ordem subversiva: “Preciso tanto de nada fazer que não me resta tempo para trabalhar”, conclama Pierre Reverdy, citado no prefácio ao livro de Denis Grozdanovitch “A Difícil Arte de Quase Nada Fazer”.

TRABALHO CEGO A mobilização veloz e incessante do trabalho cego não permite ao homem dizer qual é o seu destino e muito menos o que acontece. Ele não dispõe de tempo para pensar e muito menos tem consciência de que seus gestos, no trabalho, produzem muito mais do que os objetos que fabrica.

Há um excedente invisível, entendendo-se por “excedente” tudo o que não é mensurável, que produz catástrofes através do trabalho “normal e produtivo” e se manifesta na poluição, nos desastres ecológicos, no esquecimento e na desconstrução de si.

Como nos lembra Robert Musil em “O Homem sem Qualidades”, foi preciso muita virtude, engenho e trabalho para tornar possíveis as grandes descobertas científicas e técnicas, graças aos sucessos dos “homens de guerra, caçadores e mercadores”. Tudo isso fundado na disciplina, no senso de organização e na eficácia do trabalho, o que talvez pudesse ser resumido assim: o trabalho mecânico da produção de mercadorias pretende tomar o mundo de assalto, produzindo agitação social e frenesi econômico e consumista, dada a multiplicação de objetos “não naturais e não necessários”.

Já o preguiçoso põe-se na escuta de si e do mundo que o cerca.

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jul

14

ROLHA SINTÉTICA NÃO SERVE

Eu falo e ninguém acredita. Rolha sintética, além de tirar todo o ritual inicial do vinho, atrapalha na evolução do sabor. A chamada screw cap, que já encontramos por aí e conheci pela primeira vez num syrah muito bom parece ser a alternativa – com o perdão do trocadilho – mais palatável. Olha que interessante o experimento que o Jorge Lucki participou e relatou hoje, no Valor.

Meu vinho: Pesquisa do Château Margaux mostra que o material “saudável” ainda garante a melhor vedação.

“Doença da rolha” fomenta busca por alternativas à cortiça

É sempre constrangedor recusar garrafa de vinho em restaurantes, alegando que ele “não está bom”. A atitude pode ser vista como implicação do cliente, demonstração de poder ou tentativa de se mostrar um expert (conhecidos como “enochatos”). O assunto é delicado e requer educação e bom senso, em especial porque não são raros os casos de clientes inexperientes que confundem vinho estragado com o que não lhes agrada – assim como há aqueles que bebem os vinhos comprometidos sem nem perceberem. Embora a casa tenha a obrigação de servir o produto sem nenhum defeito, e trocá-lo se isso acontecer, nem sempre o profissional encarregado do serviço tem conhecimento e discernimento para confirmar que a garrafa está com problema. Espera-se ao menos que alguém no restaurante tenha.

Deixando de lado questões ligadas à conservação – não é necessariamente por culpa do restaurante, isso pode ter ocorrido antes da compra -, o que resultaria numa bebida em fase de declínio, com sinais de oxidação, ou a um defeito de vedação específico daquela garrafa, a expectativa é com relação ao defeito conhecido como “doença da rolha”, “bouchonné”, ou “corked” (derivação de bouchon e cork, traduções de rolha em francês e inglês, respectivamente). Caracteriza-se por um odor desagradável que lembra bolor ou pano molhado, identificável também na boca pelo gosto desagradável.

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jul

12

MAL ME QUER?

Parece que “todo mundo, e o mundo todo” (valeu Tutti!), começou a semana discutindo Otimismo versus Pessimismo. Na segunda, 11/07/2011, Lucy Kellaway, no Valor, e a Elaine Brum, na Época, cuja coluna foi disseminada no Facebook. Na terça, a Folha não deixou a desejar e fez uma ode ao pessimismo.

Tristeza e solidão, do Baden Powell. Só assim pra entrar no clima…

Na sequência, os artigos.

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